domingo, setembro 10, 2006


PASSEI MINHA VIDA PARA DVD
De tanto-em-tanto tempo, a intervalos que não sei precisar, me tranco em meu quarto, apago a luz. Certifico-me de que nenhum pontinho luminoso, nem mesmo algum tipo de ruído irão me atrapalhar. Estando tudo pronto neste meu “não lugar” (meu professor Toninho me deu este termo de presente), me ponho a projetar o filme que conta a história da minha própria vida.
Como o rolo já estava muito extenso e gasto, com medo de perder algum trecho, converti tudo para DVD. É realmente incrível (já disseram alguns autores) como a relação com novas tecnologias muda a maneira como vemos e pensamos as coisas. Agora posso, além de retroceder e avançar as cenas, dividi-las em capítulos. Organizá-las em ordem cronológica e por níveis de prazer ou de dor. Também posso ir direto àquelas em que saco o revólver (as cenas da vida das pessoas são, na maioria, clichês) e àquelas em que me atiram pelas costas.
Existem os capítulos em que sou feliz para sempre. São os meus preferidos, claro. Alguns são experimentais ou de vanguarda com cenas que possuem apenas som. As imagens, somente eu as tenho. O som do coração dos meus filhos ainda não nascidos. O som do andar em saltos-altos quando minha filha se prepara para sair ou quando chega de vagarinho na madrugada. Tem aquela inesquecível e assustadora gargalhada de homem, vindo da sala que, só logo em seguida percebo ser do filho já tão crescido e ainda tão meu bebê.
Assisto incrédula às cenas em que revolucionei e mudei para sempre o mundo usando apenas um panfleto ou um voto. Pelo menos a trilha sonora destas é muito boa.
Independentemente de tecnologia, a montagem pode ser feita obedecendo ao critério do momento. E é óbvio, isso muda todo o sentido. As montagens são as “todas poderosas” do cinema. Elas é que dão sentido aos “fatos”. Fato é aquilo que pode ser qualquer coisa...
É possível assistir à cenas de quando era criança, congelar meus sonhos e, em seguida, avançar até o ponto em que deveria tê-los realizado. Vejo que não aconteceram, mas como dizem: “eles não envelhecem...”. Mas, eu sim. Assisto à todas as vezes em que fui ferida de morte e outras em que morri. Há aquelas em que renasço trazendo as cicatrizes e o rosto meio sem graça. Aquele famoso “de paisagem”. Outras ficam lá, com seus ícones nunca acionados, propositalmente ou inconscientemente esquecidos.
Embora se tratando de um documentário, algumas seqüências de outros, perpassam as minhas. No momento em que se tocam são documentários inseridos dentro do meu próprio. Logo em seguida, só posso olhá-los como ficção. Apenas imaginar que histórias são estas. Como no caso de Bentinho e sua Capitulina, nunca saberei, apenas sofrerei.
Há algum tempo realizo um sonho: entregar o controle remoto para outra pessoa. No caso, meu analista. Ele nunca seleciona as cenas de que eu gosto. No entanto, posso acionar o comando de versão comentada. É muito bom!
Desde a última projeção, fico pensando: Será que não sou um daqueles “replicantes” de “Blade Runner” com suas vidas inventadas? Ou será que como no caso de “Capote” estou apenas esperando que a morte aconteça para escrever o FIM? E ainda dizem que não gosto de cinema...

Mila Sacco
A vida é bela, a vida é bela, a vida é bela
Vem cá, vem vê, como tem babaca na TV
Vem cá, vem cá, a vida é boa mas inventa de amargar
Quem sabe ciber, quem não sabe sobra
Baby eu te espero para o chat das cinco...
(Zeca Balero)

5 comentários:

Devaneios em Série disse...

creio que há um mundo paralelo, onde as interpretações dos acontecimentos modificam-se de acordo com o momento e por quem são contados...espero que em algum capítulo dessa vida tão rica em detalhes inestimáveis, eu tenha fazido parte...e faça nos capítulos que não foram editados ainda... menos no último!

admiro-te! saudades... Marcelo.

Penkala disse...

até que enfim achei alguém que, como eu, vive a vida num rolo (ops, num dvd) de filme. às vezes sinto vontade de apertar o VERSÃO COM COMENTÁRIOS DO DIRETOR, pra ver se certas cenas que eu enceno fazem sentido.

analistas são bons, né não? tipo um zé wilker da vida comentando o filme no Oscar (tá, tem aqueles que são Rubens Ewald)...

mas agora que tem dvd, amiguinha, vai caber mais coisa nessa gravação, né não? e de repente a risada de homem na sala vai estar no mesmo capítulo do Leon chorando na festa junina de aniversário teu no Laranjal(lembra?)...

ai, essa vida passa muito em fastfarward pro meu gosto. às vezes eu queria um rewind. ou um skip chapter...

Anônimo disse...

Olá 1ª Dama,

Parabéns minha amiga adorei saber que vc está no mundo da blogsfera em alto estilo... acabo de colocar em meus favoritos... seu texto me fez pensar horas e horas,e fiquei a imaginar como seria o filme de minha louca vida. Abração amiga e tudo de bom.

Léli disse...

Oi Milene!
Eu tomei a liberdade de te colocar lá nos meus favoritos. Gostei muito do que tu escreveu. Nos outros textos também. Aquele do Ló tá muito bom.
Grande beijo

Thaise de Moraes disse...

Fosse a vida um filme, tivessemos todos os direitos que mencionaste, voltar, avançar, pular, apagar. Logo não seríamos mais surpreendidos, aturdidos com alegrias. Não nos acordaríamos à noite, cheias de suspiros. E por fim, saberíamos o final de nossa vida. E como boa cinéfila que sou, detesto saber o fim, antes de terminar de ver o filme. bjos